Estive conversando com o dirigente da casa que freqüento atualmente para tirar algumas dúvidas com relação a posições adquiridas. Nossa conversa acabou tomando um rumo distinto, certo momento, e indo parar em um lugar que acho importante compartilhar aqui com vocês.
Falávamos sobre os “aparecidinhos” dentro de um centro. Acredito que, embora nossa doutrina espiritualista pregue a humildade e a servilidade como formas de aprendizado e evolução espiritual, sempre exista aquele (ou aqueles) sujeito que goste de um destaque a mais, de uma atenção a mais, ou que “encontrem a luz” miraculosamente, de uma hora para a outra se tornam sábios, só porque conseguiram adquirir uma posição diferente dentro do terreiro. Essa não é a primeira casa da qual tomo parte dos trabalhos, tão pouco a primeira casa que visito, e sempre vejo essa figurinha, fácil de distinguir pelo jeito de se portar.
Durante a nossa conversa essa figurinha também apareceu. Não personificada, mas em pensamento, diante de uma dúvida. E a conversa nos levou a palavra que dá o título ao texto: Bobão.
Seguindo a linha de pensamento do dirigente, a Umbanda é feita daqueles que dão. Não dos que recebem. Se você tem muito pra dar e dá pouco disso, você não poderá se comparar com aquele que tem pouco para dar, mas dá tudo o que pode. Pode ser que o pouco dele seja muito maior que o muito do outro, mas ainda assim, quem é merecedor nessa causa?
Existem aqueles dentro de um terreiro que gostam de exibir o poder que tem. Que dizem que são milagreiros, que seu Exu é o guardião do inferno todo, que é o que vai mais baixo nas esferas para resgatar os que se arrependeram, que ele sozinho sustenta a corrente mediúnica. Esquece-se, porém, que a corrente se chama corrente porque não é feita de um só elo. Que o Exu vai mais fundo porque conta com auxílio de seus trabalhadores amigos, de sua falange. Que pequenos milagres acontecem graças a interseção de uma série de guias de luz que fazem a energia chegar, através de filtros e mais filtros, puras até nós. E que ele é, como o próprio nome diz, só o meio para que isso aconteça. Só o coador para que o pó e a água se transformem em uma deliciosa xícara de café.
Enquanto esse amigo está lá, se vangloriando, seus amigos encarnados e desencarnados estão observando. E a seleção natural fará com que ele fique para trás, pois quem está satisfeito em contar vantagem não precisa de realizações para contá-las. Instintivamente as pessoas acabam se afastando dela, deixando-a de lado, olhando-a de longe e pensando: que bobão.
Achei engraçado, sobre tudo, que essa expressão saiu da boca do dirigente. Temos nele uma pessoa distante, não por antipatia, mas por necessidade: dentro de um mundo de 300 médiuns, não dá para ser íntimo de cada um. O vemos lá, na frente dos trabalhos, com o semblante sério, o sorriso contido, de repente, por um assunto qualquer, ele me solta essa expressão entre sorrisos: Bobão. A surpresa foi suficiente para, até, calar a risada. Mas de qualquer forma, entendi onde ele queria chegar e espero que vocês entendam onde eu quero chegar. Não sei qual é a aparência que tenho para vocês, se pareço um rapaz duro, de um humor instável e constantemente bravo, ou se um rapaz alegre e vivaz mas, de qualquer forma, o que escrevo é o que se passa em meu coração. Espero que nenhum de vocês que nos visita se enquadre na categoria “bobão”, que busca crescer na Umbanda e quando o faz, menospreza os mais novos ou age deliberadamente para que eles não consigam chegar onde você chegou. Ou ainda mais: não consiga entender ou fique com medo de entender, que outras pessoas possam ter outras idéias que, por ventura, possam ser melhores que as suas. Ou mais corretas. Ou simplesmente idéias novas.
Pensem em seus atos dentro e fora do centro. A vida fica melhor quando todos entendemos que pessoas pensam diferente, e todas as idéias são boas. E todas as pessoas merecem chances, e ninguém é melhor do que ninguém. Que a Umbanda é feita pelos que dão, não pelos que recebem. E feita por aqueles que são humildes, não por “Bobões”.